8 de novembro de 2011
2 de novembro de 2011
Almada Negreiros
«Nós não somos do século de inventar as palavras. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»
1 de novembro de 2011
Com palavras
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
E saio para a rua.
Com palavras — inaudíveis — grito
Para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar…
Egito Gonçalves
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
E saio para a rua.
Com palavras — inaudíveis — grito
Para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar…
Egito Gonçalves
27 de outubro de 2011
Conselho
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois,onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são os mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não nada.
Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu,e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém; que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és-
Um jardim mais ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Fernando Pessoa
«o poema inicia-se pela introdução de um símbolo: o jardim, que representa o "eu". Pessoa diz-nos que devemos cercar de grandes muros quem nos sonhamos. Ou seja, o nosso interior, o nosso sonho de nós mesmos nunca deve ser revelado aos outros. O exterior deve ser feito só de "flores (...) mais risonhas / Para que te conheçam só assim". Aqui Pessoa pretende dar a conhecer a sua opinião sobre como devemos revelar aos outros em nosso redor quem verdadeiramente somos.
A segunda estrofe reforça a entrada feita pela primeira estrofe: devemos tentar passar despercebidos no mundo exterior, para que ninguém ponha em causa os nossos sonhos. É por isso que ele diz: "Faz canteiros como os que outros têm, / Onde os olhares possam entrever / O teu jardim como lho vais mostrar". Já o interior, o "onde és teu", é uma zona que nunca deve ser revelada. Aí tudo pode crescer livremente - as flores que vêm do chão e mesmo as ervas naturais e selvagens.
A visão dupla da vida - interior e exterior - é adoptada totalmente na terceira estrofe: "Faz de ti um duplo guardado". Há uma aparência completa, um jardim perfeito em forma de máscara absurda, que serve ao homem na sua vida quotidiana; enquanto que no interior tudo é dominado pelo sonho, pelas flores selvagens e pela erva que cresce erraticamente.»
Depois,onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são os mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não nada.
Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu,e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém; que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és-
Um jardim mais ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Fernando Pessoa
«o poema inicia-se pela introdução de um símbolo: o jardim, que representa o "eu". Pessoa diz-nos que devemos cercar de grandes muros quem nos sonhamos. Ou seja, o nosso interior, o nosso sonho de nós mesmos nunca deve ser revelado aos outros. O exterior deve ser feito só de "flores (...) mais risonhas / Para que te conheçam só assim". Aqui Pessoa pretende dar a conhecer a sua opinião sobre como devemos revelar aos outros em nosso redor quem verdadeiramente somos.
A segunda estrofe reforça a entrada feita pela primeira estrofe: devemos tentar passar despercebidos no mundo exterior, para que ninguém ponha em causa os nossos sonhos. É por isso que ele diz: "Faz canteiros como os que outros têm, / Onde os olhares possam entrever / O teu jardim como lho vais mostrar". Já o interior, o "onde és teu", é uma zona que nunca deve ser revelada. Aí tudo pode crescer livremente - as flores que vêm do chão e mesmo as ervas naturais e selvagens.
A visão dupla da vida - interior e exterior - é adoptada totalmente na terceira estrofe: "Faz de ti um duplo guardado". Há uma aparência completa, um jardim perfeito em forma de máscara absurda, que serve ao homem na sua vida quotidiana; enquanto que no interior tudo é dominado pelo sonho, pelas flores selvagens e pela erva que cresce erraticamente.»
26 de outubro de 2011
25 de outubro de 2011
24 de outubro de 2011
12 de outubro de 2011
Sou um Evadido
Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte
Oxalá que ela
Nunca me encontre.
Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.
Fernando Pessoa
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte
Oxalá que ela
Nunca me encontre.
Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.
Fernando Pessoa
11 de outubro de 2011
Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga
9 de outubro de 2011
6 de outubro de 2011
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Drummond de Andrade
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Drummond de Andrade
5 de outubro de 2011
4 de outubro de 2011
sábado: dia de feira
Bem, no passado sábado tive uma experiência nova: estive a vender numa feira.
Esta feira realizou-se na Sé do Porto e como podem verificar na foto, tinha um ambiente de festa e o calor ajudou a trazer muitas, mas mesmo muitas pessoas até lá. A maioria dos vendedores eram jovens e que estavam a vender coisas/roupas antigas, bijuteria, bolos, bebidas, brinquedos, um pouco de tudo. Houve também música ao vivo e muita animação que nos proporcionou muitas gargalhadas. Foi uma experiência muito engraçada e onde pude também ver os bastidores das feiras, um lado onde por vezes não compreendemos. Nesta iniciativa tivemos também opoertunidade de conhecer pessoas novas e muito simpáticas, algo que me deixa muito feliz!
Esta feira realizou-se na Sé do Porto e como podem verificar na foto, tinha um ambiente de festa e o calor ajudou a trazer muitas, mas mesmo muitas pessoas até lá. A maioria dos vendedores eram jovens e que estavam a vender coisas/roupas antigas, bijuteria, bolos, bebidas, brinquedos, um pouco de tudo. Houve também música ao vivo e muita animação que nos proporcionou muitas gargalhadas. Foi uma experiência muito engraçada e onde pude também ver os bastidores das feiras, um lado onde por vezes não compreendemos. Nesta iniciativa tivemos também opoertunidade de conhecer pessoas novas e muito simpáticas, algo que me deixa muito feliz!
22 de setembro de 2011
Prazeres
O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.
Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.
Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'
21 de setembro de 2011
o livro eleito
Hoje estive a escolher o livro que mais apreciei neste verão. E foi «A Cabana» de WM. Paul Young. O livro é muito simples mas o seu conteúdo é muito, muito bom.
E por aqui deixo um dos vários excertos que mais gostei:
"Há ocasiões em que optamos por acreditar em algo que normalmente seria considerado absolutamente irracional. Isso não significa que seja realmente irracional; mas, certamente, não é racional. Talvez exista a suprarracionalidade: a razão que transcede as definições normais dos factos ou a lógica baseada em dados. Algo que só faz sentido se conseguirmos vislumbrar um quadro mais amplo da realidade. Talvez seja aí que a fé se enquadre."
E por aqui deixo um dos vários excertos que mais gostei:
"Há ocasiões em que optamos por acreditar em algo que normalmente seria considerado absolutamente irracional. Isso não significa que seja realmente irracional; mas, certamente, não é racional. Talvez exista a suprarracionalidade: a razão que transcede as definições normais dos factos ou a lógica baseada em dados. Algo que só faz sentido se conseguirmos vislumbrar um quadro mais amplo da realidade. Talvez seja aí que a fé se enquadre."
17 de setembro de 2011
16 de setembro de 2011
uma notícia bastante agradável
«Há mais jovens a considerar que a leitura é importante para a sua vida pessoal. Em 2007, entre os que tinham 15 a 24 anos, 30,6% consideraram-na "muito importante". Em Março passado, neste grupo etário, já eram 52,4% os que afirmaram o mesmo. (...)
Os resultados do último Barómetro de Opinião Pública PNL, com um inquérito desenvolvido em Março passado junto de uma amostra de 1257 indivíduos, mostram que é no grupo dos 15 aos 24 anos que se registou um maior aumento entre aqueles que consideram a leitura "muito importante" para a sua vida pessoal. A avaliação externa do plano é feita por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, coordenada por António Firmino da Costa. O primeiro estudo de avaliação foi divulgado em 2008.»
in http://www.publico.pt/Educação/mais-de-metade-dos-jovens-portugueses-valorizam-a-leitura_1511882
Esta notícia baseada num inquérito deixou-me bastante contente. Acho que a cultura dos jovens não está assim tão má como às vezes pensamos. Não há muito tempo descobri que o simples acto de ler é demasiado importante para a nossa cultura e até mesmo a nossa vida. Sem dúvida, que só nos favorece na maneira de falar, de escrever, de pensar e de tudo o resto. Por isso é um hábito que temos de cultivar cada vez mais para nos tornamos pessoas mais sábias!
Os resultados do último Barómetro de Opinião Pública PNL, com um inquérito desenvolvido em Março passado junto de uma amostra de 1257 indivíduos, mostram que é no grupo dos 15 aos 24 anos que se registou um maior aumento entre aqueles que consideram a leitura "muito importante" para a sua vida pessoal. A avaliação externa do plano é feita por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, coordenada por António Firmino da Costa. O primeiro estudo de avaliação foi divulgado em 2008.»
in http://www.publico.pt/Educação/mais-de-metade-dos-jovens-portugueses-valorizam-a-leitura_1511882
Esta notícia baseada num inquérito deixou-me bastante contente. Acho que a cultura dos jovens não está assim tão má como às vezes pensamos. Não há muito tempo descobri que o simples acto de ler é demasiado importante para a nossa cultura e até mesmo a nossa vida. Sem dúvida, que só nos favorece na maneira de falar, de escrever, de pensar e de tudo o resto. Por isso é um hábito que temos de cultivar cada vez mais para nos tornamos pessoas mais sábias!
15 de setembro de 2011
os filmes deste verão:
Quem me conhece já sabe que adooooro ver filmes, então ir ao cinema é uma delícia... Mas dos muitos filmes que vi este verão, escolhi estes pois destacaram-se. O meu preferido destes cincos é sem dúvida o The Notebook ou Diário da nossa Paixão. A história é linda, romântica e faz pensar na vida, mas tenho de admitir que é um filme para ver a um sábado à tarde, tal como eu fiz :)
14 de setembro de 2011
(re)começar...
É no fim deste belo dia de verão (com muito calor, ufa!) que começo mais um post. Depois deste longo mês de férias onde muita coisa aconteceu, inclusive completei mais um ano de vida e deste período de descanso que soube tão bem, tenho mais um ano para percorrer e o último do secundário. Estou com a "bateria" bem cheia pois, tenho a certeza que vai ser cheio de trabalho mas isso não quer dizer que deixe de passar por aqui, pelo contrário vou tentar publicar ainda mais coisas. Espero que possas continuar sempre a espreitar este blog porque é mesmo feito para Ti.
20 de julho de 2011
7 de julho de 2011
entre a cidade sim e a cidade não
Sou um comboio rápido
que há muitos anos vai e vem
entre a cidade Sim
e a cidade Não.
Os meus nervos estão tensos
como cabos
entre a cidade Não
e a cidade Sim.
Tudo está morto e assustado na cidade Não.
É como um embrulho feito de tristeza.
Dentro dela todas as coisas franzem a testa.
Há medo nos olhos de todos os retratos.
De manhã enceram com bílis o soalho.
Os sofás são de falsidade, as paredes de miséria.
Nunca te darão nessa cidade um bom conselho,
nem um ramo de flores, nem um simples aceno.
As máquinas de escrever batem, com cópia,
a resposta:
"Não-não-não... não-não-não... não-não-não..."
E quando enfim se apagam as luzes
os fantasmas iniciam o seu lúgubre bailado.
Nunca, ainda que rebentes, arranjarás bilhete
para fugir da negra cidade. Não.
Ah, mas a vida na cidade Sim é um canto de ave.
Não tem paredes a cidade, é como um ninho.
As estrelas dizem que as acolhas nos teus braços.
E sem vergonha seus lábios pedem teus lábios,
num brando murmúrio: "São tudo tolices..."
A flor provocante implora que a cortes,
os rebanhos oferecem o leite com seus mugidos,
ninguém tem ponta de medo.
E aonde queiras ir te levam num instante comboios,
barcos, aviões,
e com um rumor antigo vai a água murmurando:
"Sim-sim-sim... sim-sim-sim... sim-sim-sim..."
Mas às vezes é certo que aborrece
ser-me dado, afinal, tudo sem esforço
nesta cidade Sim, deslumbrante de cor.
É melhor ir e vir até ao fim da minha vida
entre a cidade Sim
e a cidade Não!
É melhor ter os nervos tensos como cabos
entre a cidade Não
e a cidade Sim!
ievgueni ievtuchenko
dom quixote 1968
que há muitos anos vai e vem
entre a cidade Sim
e a cidade Não.
Os meus nervos estão tensos
como cabos
entre a cidade Não
e a cidade Sim.
Tudo está morto e assustado na cidade Não.
É como um embrulho feito de tristeza.
Dentro dela todas as coisas franzem a testa.
Há medo nos olhos de todos os retratos.
De manhã enceram com bílis o soalho.
Os sofás são de falsidade, as paredes de miséria.
Nunca te darão nessa cidade um bom conselho,
nem um ramo de flores, nem um simples aceno.
As máquinas de escrever batem, com cópia,
a resposta:
"Não-não-não... não-não-não... não-não-não..."
E quando enfim se apagam as luzes
os fantasmas iniciam o seu lúgubre bailado.
Nunca, ainda que rebentes, arranjarás bilhete
para fugir da negra cidade. Não.
Ah, mas a vida na cidade Sim é um canto de ave.
Não tem paredes a cidade, é como um ninho.
As estrelas dizem que as acolhas nos teus braços.
E sem vergonha seus lábios pedem teus lábios,
num brando murmúrio: "São tudo tolices..."
A flor provocante implora que a cortes,
os rebanhos oferecem o leite com seus mugidos,
ninguém tem ponta de medo.
E aonde queiras ir te levam num instante comboios,
barcos, aviões,
e com um rumor antigo vai a água murmurando:
"Sim-sim-sim... sim-sim-sim... sim-sim-sim..."
Mas às vezes é certo que aborrece
ser-me dado, afinal, tudo sem esforço
nesta cidade Sim, deslumbrante de cor.
É melhor ir e vir até ao fim da minha vida
entre a cidade Sim
e a cidade Não!
É melhor ter os nervos tensos como cabos
entre a cidade Não
e a cidade Sim!
ievgueni ievtuchenko
dom quixote 1968
6 de julho de 2011
Retrato de Mónica
«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, «qualquer distracção pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.
Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.
Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.
O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une e justamente uma vontade sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.»
Sophia de Mello Breyner Andresen
Contos Exemplares
Porto, Figueirinhas, 1996 (29ª ed.).
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, «qualquer distracção pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.
Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.
Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.
O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une e justamente uma vontade sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.»
Sophia de Mello Breyner Andresen
Contos Exemplares
Porto, Figueirinhas, 1996 (29ª ed.).
4 de julho de 2011
30 de junho de 2011
29 de junho de 2011
Concordo, mas infelizmente...
«O acidente que provocou a morte do cantor Angélico Vieira tem um forte impacto imediato, sobretudo entre os mais jovens, mas não deverá ter um efeito pedagógico duradouro para a questão do cinto de segurança, defende um especialista.
Rui Carreteiro, psicólogo e coordenador de uma pós-graduação em Psicologia do Tráfego, acredita que o acidente, por ter envolvido uma jovem figura pública popular entre os mais jovens, vai salientar a importância do uso do cinto de segurança.
"Mas regra geral, neste tipo de situações, o impacto é muito forte, mas pouco duradouro. Terá um forte impacto imediato, não só nos fãs como na população em geral. Mas infelizmente o efeito pedagógico não será o desejado a médio longo prazo", afirma o especialista em declarações à agência Lusa.
Para Rui Carreteiro, nos próximos dias as pessoas terão mais cuidado e atenção ao uso do cinto, mas essa consequência tenderá a desaparecer com o tempo, ao ritmo da memória, que é curta.
"Quando há uma multa por excesso de velocidade, nos dias seguintes é-se muito cumpridor, mas passado algum tempo tudo volta o mesmo", compara, acrescentando que o ser humano é "um eterno tentador de ultrapassar os limites que são impostos pela sociedade".
(...)»
daqui: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Media/Interior.aspx?content_id=1892161&page=1
Rui Carreteiro, psicólogo e coordenador de uma pós-graduação em Psicologia do Tráfego, acredita que o acidente, por ter envolvido uma jovem figura pública popular entre os mais jovens, vai salientar a importância do uso do cinto de segurança.
"Mas regra geral, neste tipo de situações, o impacto é muito forte, mas pouco duradouro. Terá um forte impacto imediato, não só nos fãs como na população em geral. Mas infelizmente o efeito pedagógico não será o desejado a médio longo prazo", afirma o especialista em declarações à agência Lusa.
Para Rui Carreteiro, nos próximos dias as pessoas terão mais cuidado e atenção ao uso do cinto, mas essa consequência tenderá a desaparecer com o tempo, ao ritmo da memória, que é curta.
"Quando há uma multa por excesso de velocidade, nos dias seguintes é-se muito cumpridor, mas passado algum tempo tudo volta o mesmo", compara, acrescentando que o ser humano é "um eterno tentador de ultrapassar os limites que são impostos pela sociedade".
(...)»
daqui: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Media/Interior.aspx?content_id=1892161&page=1
28 de junho de 2011
17 de junho de 2011
estudar, estudar, estudar...
13 de junho de 2011
123º aniversário
«O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.»
Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.
É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".
Por ter crescido na África do Sul, para onde foi aos seis anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu a língua inglesa. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma.
Ao longo da vida trabalhou em várias firmas como correspondente comercial. Foi também empresário, editor, crítico literário, ativista político, tradutor, jornalista, inventor, publicitário e publicista, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".
Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu. Sua última frase foi escrita em Inglês: "I know not what tomorrow will bring… " ("Não sei o que o amanhã trará").
in http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa
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