Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois,onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são os mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não nada.
Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu,e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém; que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és-
Um jardim mais ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Fernando Pessoa
«o poema inicia-se pela introdução de um símbolo: o jardim, que representa o "eu". Pessoa diz-nos que devemos cercar de grandes muros quem nos sonhamos. Ou seja, o nosso interior, o nosso sonho de nós mesmos nunca deve ser revelado aos outros. O exterior deve ser feito só de "flores (...) mais risonhas / Para que te conheçam só assim". Aqui Pessoa pretende dar a conhecer a sua opinião sobre como devemos revelar aos outros em nosso redor quem verdadeiramente somos.
A segunda estrofe reforça a entrada feita pela primeira estrofe: devemos tentar passar despercebidos no mundo exterior, para que ninguém ponha em causa os nossos sonhos. É por isso que ele diz: "Faz canteiros como os que outros têm, / Onde os olhares possam entrever / O teu jardim como lho vais mostrar". Já o interior, o "onde és teu", é uma zona que nunca deve ser revelada. Aí tudo pode crescer livremente - as flores que vêm do chão e mesmo as ervas naturais e selvagens.
A visão dupla da vida - interior e exterior - é adoptada totalmente na terceira estrofe: "Faz de ti um duplo guardado". Há uma aparência completa, um jardim perfeito em forma de máscara absurda, que serve ao homem na sua vida quotidiana; enquanto que no interior tudo é dominado pelo sonho, pelas flores selvagens e pela erva que cresce erraticamente.»
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