14 de fevereiro de 2011

O dia

"Passa o dia contigo
Não deixes que te desviem
Um poema emerge tão jovem tão antigo
que nem sabes desde quando em ti vivia"
Sophia de Mello Breyner Andresen

9 de fevereiro de 2011

Frei Luís de Sousa

"Maria (abrindo a mão e deixando-as cair no regaço da mãe) - Murchou tudo... tudo estragado da calma... Estas são papoulas que fazem dormir; colhi-as para as meter debaixo do meu cabeçal esta noite; quero-a dormir de um sono, não quero sonhar, que me faz ver cousas... lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas...
Madalena - Sonhar, sonhas tu acordada, filha! Que, olha, Maria, imaginar é sonhar, e Deus pôs-nos neste mundo para velar e trabalhar, com o pensamento sempre n'ele, sim, mas sem nos estranharmos a estas cousas da vida que nos cercam, a estas necessidades que nos impõe o estado, a condição em que nascemos. Vês tu, Maria, tu és a nossa única filha, todas as esperanças de teu pai são em ti (...)"

Amor de Perdição

Cara menina Coração:
Desde os meus quinze anos que prometi o meu coração a um rapaz meu vizinho. Amo e sou amada por ele, contudo as nossas famílias estão desavindas. O meu pai não me compreende e quer que eu me case com meu primo Baltazar. Diz-me ele que com o tempo vou amá-lo. O meu pai até me disse: « minha querida filha, que a violência dum pai é sempre amor. ». Ontem, meu querido pai disse-me:
« - Hás de casar! - Quero que cases! Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de aqui pôr pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidos honrosos, que foram pela primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas! Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de Sol.»
Cara menina Paixão, o que devo fazer?
Teresa


- Como se fosse escrito na época em que decorre:
Olá menina Teresa, estou aqui para te ajudar nesse teu momento difícil de escolha.
Sei que deves estar confusa, mas aconselho-te a seguir o que o teu pai disse. Sabes que se não fizeres isso terás as piores consequências.
É melhor esqueceres a tua paixão pelo Simão, e aceitares a ideia de te casares com o teu primo Baltazar. Ele dar-te-á felicidade e a paz que precisas. Podes pensar o contrário mas daqui a algum tempo vais dar-me razão.
És muito nova para estares a entrar em batalhas com o teu pai, tens de compreender que os homens mandam sempre em nós, pois eles nasceram com esse poder. Não te esqueças que o Simão é da família inimiga, por isso irias prejudicar a tua família perante a sociedade, lembra-te que tens uma reputação a manter. Sabes o que as pessoas do povo iriam falar? De ti, da tua história de amor com o Simão e isso não pode acontecer, sabes que o teu pai não ia gostar.
Espero que não tomes as decisões erradas e que me contes o que vais decidir, pensa no que te disse.
Beijinhos,
Menina Coração

- Como se fosse escrito nos dias de hoje:
Olá Teresa, que notícias tão más que me estás a contar…
Deves estar numa situação complicada, pois estás entre dois amores, o Simão e o teu pai. Sabes que respeito muita a relação com os nossos parentes, pois eles deram-nos toda a nossa educação, toda a nosso vida é por eles. Mas, estás a chegar à situação em precisas de “voar”, como todas as jovens passam por isso. Aconselho-te a falar com o teu pai, para ele perceber que tu é que escolhes o teu verdadeiro amor, que não é pelo teu primo Baltasar. Fala sobre o Simão, fala como ele é bom para contigo, diz que a história da família inimiga já passou, já foi há muito tempo e este acontecimento pode originar um novo começo de paz entre as famílias.
Se o teu pai não ceder, acho que deves ir por outro caminho, o mais dificil. Tenta arranjar um voo barato para um país longe com o Simão, sim, estou a dizer para fugires de casa e recomeçares a tua vida noutro sítio, depois podes regressar e podes ter um pai mais calmo e que tenha percebido que a tua cara metade é o Simão.
Não faças nada que te arrependas no futuro e nunca te esqueças que tu é que comandas a tua vida, as pessoas que estão à tua volta, só te amparam quando estás a precisar de uma ajuda, como é a minha função.
Beijinhos, Menina Coração


(trabalho para a disciplina: Literatura Portuguesa)

3 de fevereiro de 2011

Nos dias tristes...

Nos dias tristes não se fala de aves.
Liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.

Nos dias tristes é Inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento e diz-se
- bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso.

Nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco.

(Filipa Leal, in "A Cidade Líquida e Outras Texturas"/ Deriva Editores)

2 de fevereiro de 2011

Procura-se um amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro, 1913 – 1980) formou-se em Direito, em 1933. No mesmo ano publicou O Caminho para a Distância, seu primeiro livro de poesia. Ainda na década de 1930, são lançados Forma e Exegese, Ariana, a Mulher e Novos Poemas.

Em 1938 viajou para a Inglaterra, para estudar Língua e Literatura Inglesa. De volta ao Brasil, ingressou na carreira diplomática, serviu nos Estados Unidos, na França e no Uruguai. Em 1956 iniciou parceria com Tom Jobim, que fez as músicas para sua peça Orfeu da Conceição. Publicou, em 1957, o Livro de Sonetos. Em 1958 foi lançado o LP Canção do Amor Demais, que inclui a música Chega de Saudade, composta por ele e Tom Jobim, marco do movimento da Bossa Nova. Nas décadas seguintes ele participaria no movimento com diversas parcerias.
Em 1965 ganhou primeiro e segundo lugares no Festival de Música Popular da TV Excelsior, com as canções Arrastão, e Canção do Amor que não Vem. Vinícius de Moraes, pertencente à segunda geração do Modernismo, é um dos poetas mais populares da Literatura Brasileira. Suas canções alcançaram grande êxito de público, como Garota de Ipanema, a música brasileira mais executada no mundo. Para Otto Lara Rezende, "depois do Vinicius musical, foi o Vinicius cronista quem mais depressa chegou ao coração do grande público". Sua obra poética também teve e continua tendo muito sucesso, principalmente poemas como Soneto de Fidelidade. Ele produziu ainda poemas infantis, como os de A Arca de Noé.